A lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha, entrou em vigor no dia 22/09/2006, e embora não tenha criado nenhuma figura penal nova, trouxe consideráveis mudanças na legislação penal e processual penal. Sua criação objetiva atender ao mandamento constitucional do parágrafo 8º, do art. 226, que assim dispõe: " O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.", bem como satisfazer os termos da Convenção sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra a mulher, de 1979, ratificada pelo Brasil em 01.02.84.
Além dos motivos supracitadas para a criação desta Lei, também foi tomado como objetivo devolver a cidadania e dignidade a milhares de mulheres que são vítimas de condutas baseadas no preconceito de que ela deve se submeter à violência do homem com quem mantenha relação íntima de afeto, seja marido, companheiro, pai, filho ou irmão.
1- O CASO ENSEJADOR DA CRIAÇÃO DA LEI
No ano de 1983, a cearense e biofarmacêutica Maria da Penha Fernandes sofreu uma dupla tentativa de homicídio perpetrada pelo seu marido (à época) Marco Antônio Herredia Viveiros, um professor universitário de economia. Primeiro ele tentou ceifar a vida dela com um tiro pelas costas, ocasião em que à mesma ficou paraplégica além de outras lesões; noutra oportunidade, seu companheiro tentou eletrocutá-la enquanto tomava banho numa banheira.
O réu fora condenado pelos tribunais locais por 2 (duas) vezes (em 1991 e 1996), mas, valendo-se de recursos processuais contra a decisão condenatória do Tribunal do Júri, nunca foi preso, conseguindo passar 15 (quinze) anos em liberdade mesmo depois de sentenciado.
Diante da morosidade judiciária existente no Brasil, Maria da Penha recorreu à Justiça Internacional. Inicialmente, apresentou o caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Para a consecução de tal objetivo, a biofarmacêutica procurou ajuda do Centro para a Justiça e o Direito Internacional (Cejil) e do Comitê Latino-Americano e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem). Entretanto, frente a comissão, o Brasil não tomou nenhuma medida.
Passados 18 (dezoito) anos do acontecido, a Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2001, responsabilizou o país por omissão e negligência no que diz respeito a violência doméstica, utilizando como base o relato de Maria da Penha. A OEA recomendou ao Brasil que tomasse medidas em prol da criação de políticas públicas que inibissem as agressões no âmbito doméstico em desfavor das mulheres.
2- MODIFICAÇÕES ADVINDAS COM A LEI 11.340/60
Essa lei modifica, significativamente, a processualística civil e penal em termos de investigação, procedimentos, apuração e solução para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. Veja no quadro comparativo as principais alterações:
ANTES DA LEI MARIA DA PENHA | DEPOIS DA LEI MARIA DA PENHA |
Não existia lei específica sobre a violência doméstica | Tipifica e define a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece as suas formas: física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. |
Não tratava das relações entre pessoas do mesmo sexo. | Determina que a violência doméstica contra a mulher independe de orientação sexual. |
Nos casos de violência, aplica-se a lei 9.099/95, que criou os Juizados Especiais Criminais, onde só se julgam crimes de "menor potencial ofensivo" (pena máxima de 2 anos). | Retira desses Juizados a competência para julgar os crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher. |
Esses juizados só tratavam do crime. Para a mulher resolver o resto do caso, as questões cíveis (separação, pensão, gaurda de filhos) tinha que abrir outro processo na vara de família. | Serão criados Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, com competência cível e criminal, abrangendo todas as questões. |
Permite a aplicação de penas pecuniárias, como cestas básicas e multas. | Proíbe a aplicação dessas penas. |
A autoridade policial fazia um resumo dos fatos e registrava num termo padrão (igual para todos os casos de atendidos). | Tem um capítulo específico prevendo procedimentos da autoridade policial, no que se refere às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar. |
A mulher podia desistir da denúncia na delegacia. | A mulher só pode renunciar perante o Juiz. |
Era a mulher quem, muitas vezes, entregava a intimação para o agressor comparecer às audiências. | Proíbe que a mulher entregue a intimação ao agressor. |
Não era prevista decretação, pelo Juiz, de prisão preventiva, nem flagrante, do agressor (Legislação Penal). | Possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a mulher corre. |
A mulher vítima de violência doméstica e familiar nem sempre era informada quanto ao andamento do seu processo e, muitas vezes, ia às audiências sem advogado ou defensor público. | A mulher será notificada dos atos processuais, especialmente quanto ao ingresso e saída da prisão do agressor, e terá que ser acompanhada por advogado, ou defensor, em todos os atos processuais. |
A violência doméstica e familiar contra a mulher não era considerada agravante de pena. (art. 61 do Código Penal). | Esse tipo de violência passa a ser prevista, no Código Penal, como agravante de pena. |
A pena para esse tipo de violência doméstica e familiar era de 6 meses a 1 ano. | A pena mínima é reduzida para 3 meses e a máxima aumentada para 3 anos, acrescentando-se mais 1/3 no caso de portadoras de deficiência. |
Não era previsto o comparecimento do agressor a programas de recuperação e reeducação (Lei de Execuções Penais). | Permite ao Juiz determinar o comparecimento obrigatório do agressor a programas de recuperação e reeducação. |
O agressor podia continuar frequentando os mesmos lugares que a vítima frequentava. Tampouco era proibido de manter qualquer forma de contato com a agredida. | O Juiz pode fixar o limite mínimo de distância entre o agressor e a vítima, seus familiares e testemunhas. Pode também proibir qualquer tipo de contato com a agredida, seus familiares e testemunhas. |
O combate a violência contra a mulher depende de cada um de nós, mas principalmente das vítimas que devem se inspirar no Exemplo de Maria da Penha Fernandes e denunciar, buscando de todas as formas os seus direitos.
DIGA NÃO À VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER!